Líder do Governo Binho Marques na Assembléia Legislativa do Acre - moisesdiniz@terra.com.br

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

FUSO HORÁRIO

Prólogo

Em 1913 o Brasil adotou o Meridiano de Greenwich como referência e passou a ter quatro fusos horários. O Acre, junto com seis pequenos municípios amazonenses, ficou isolado no quarto fuso. Essa situação não importunou os acreanos nos primeiros anos. Mas, com o advento da aviação civil, dos bancos e, especialmente, da televisão, o fuso horário passou a interferir em nossas vidas.
Quando ligamos o aparelho de TV, às 9 horas da noite, assistimos a programas recomendados para as 23 horas. No horário de verão, esses programas passam à meia noite no restante do Brasil. O resultado trágico é que nossas crianças assistem a programas impróprios para a sua idade. Programas pornográficos ou com cenas de violência invadem nossos lares ao anoitecer, enquanto nossas crianças ainda estão acordadas.
Às 9 horas da noite, no horário de verão, não podemos retirar nenhum centavo nos caixas eletrônicos. É que, no restante do Brasil, já é meia noite. E mesmo que estejamos com uma emergência. Um acidente, uma doença súbita, que exijam dinheiro. Os bancos não tratam os acreanos como brasileiros.
Quanto àqueles que viajam para fora do Acre, o constrangimento é imenso com os horários de negócios e de reuniões. Afora isso, ainda existe o problema de saúde. . A mudança de fusos horários altera o ritmo circadiano, o nosso relógio biológico, produzindo sintomas como insônia, sonolência diurna, indigestão, irritabilidade e dificuldade de concentração.
Mudar o fuso horário é pôr fim a um instrumento de discriminação que persiste há noventa e quatro anos. E, mais importante, é superar a velha barreira à integração do Acre. De todos os problemas identificados por causa do fuso horário do Acre, o mais grave diz respeito a uma programação televisiva pornográfica e violenta. Portanto, imprópria às nossas crianças no horário que é transmitida no Acre.


Capítulo I
PLÁCIDO DE CASTRO


O Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, acabara de ser assinado, fazendo do Acre um pedaço do Brasil. Aqueles que lutaram ao lado de Plácido de Castro ainda estavam respirando o ar puro das florestas acreanas. Homens e mulheres que pegaram em armas, na heróica Revolução Acreana, comemoravam às margens dos rios e nas primeiras ruas abertas.
Apenas dez anos depois, em 1913, exatamente em 18 de junho. Nesse dia, pela primeira vez, o Brasil regulamentava a Hora Legal, vinculando os relógios brasileiros ao Greenwich Meridian Time (GMT), Hora do Meridiano de Greenwich.
Enquanto o Acre lutava para construir os primeiros prédios da administração e abrir as suas primeiras escolas, o Brasil já completava 400 anos de existência. Os acreanos, recém saídos de uma revolução armada, realizavam um trabalho hercúleo para garantir saúde aos seus habitantes, em postos improvisados. As ruas eram de barro e a maioria das casas era construída de madeira rústica. Do outro lado do país, os legisladores decidiam o futuro, inclusive o do Acre. Era o ano de 1913.
Aqui, na gloriosa terra de Galvez, nossos antepassados lutavam para organizar a educação, o transporte, a saúde, o direito, o comércio, enfim, a vida acreana que acabara de completar dez anos. Era essa a idade do Acre, quando o Brasil aprovou a sua Lei dos Fusos Horários. Decidiram por nós e nada pudemos fazer. Estávamos cuidando da nossa existência, dando os primeiros passos no chão brasileiro. Fuso Horário, em 1913, não era assunto que interessasse aos acreanos.

[Não é justo as nossas crianças assistirem programas de pornografia na TV, às 9 horas, quando no restante do Brasil já é meia noite.]

Medição do tempo

’Quando o homem sentiu a necessidade de marcar o tempo, ele inventou o Relógio de Sol. Tendo como principal e único referencial para a contagem do tempo a posição do Sol, as localidades ajustavam seus horários considerando como meio-dia o instante em que o Sol estava a pino, produzindo sombra bem em baixo dos objetos. Assim, muitas localidades, ainda que relativamente próximas entre si para os padrões de hoje, tinham horários diferentes, o que passou a criar dificuldades crescentes à medida que essas regiões se desenvolviam e crescia a necessidade de comunicação entre elas. Na parte da Europa onde hoje temos 3 fusos horários, haviam 27 horas diferentes e na América do Norte, onde hoje há 5 fusos horários, as horas eram contadas localmente de 74 modos diferentes (isso equivalia a uma alteração praticamente contínua da hora legal, ajustando-a às condições ambientais de claridade no céu de cada localidade).
Para resolver esse problema, em uma conferência realizada em Roma, na Itália, em 1883, decidiu-se dividir a Terra em faixas de horário único (denominados de fusos horários), dividindo-se qualquer circunferência terrestre (360°) formada pelos paralelos, pelas 24 horas do dia, resultando para cada faixa de 15° uma hora diferente e única do Pólo Norte ao Pólo Sul. Os meridianos localizados de 15 em 15 graus denominam-se eixos de fusos horários e definem a hora da faixa correspondente que abrange 7,5 graus a leste e a oeste. Um problema prático que surgiu ao adotar-se essa convenção foi a necessidade de se estabelecer linhas imaginárias de fronteiras entre fusos horários e, como conseqüência, o de ter-se que conviver com a situação de mudança brusca de horário (equivalente a uma hora) quando se atravessam essas fronteiras, ainda que a posição relativa do Sol e, conseqüentemente, as condições ambientes de claridade no céu à direita e à esquerda dessas linhas sejam idênticas. No ano seguinte, em 1884, 27 paises reunidos em uma conferência realizada em Washington adotaram o meridiano de Greenwich como referência, já que a maior parte das cartas geográficas da época eram feitas pelos ingleses e destacavam esse meridiano. Com o passar dos anos, outros paises passaram a seguir essa convenção e atualmente, em todo o mundo, é a partir do Meridiano de Greenwich que as horas são contadas, acrescentando-se ou subtraindo-se um número inteiro de horas, para cada fuso percorrido, ao horário de Greenwich (ou hora universal), respectivamente quando se vai para leste ou para oeste’.
Com dizem os professores Eduardo Carneiro e Egina Carli “não devemos nos esquecer que o centro geodésico é uma construção humana. A terra é esférica, não dá para definir o seu início, nem o ser fim, quanto mais o seu meio.
A longitude de 0° é uma arbitrariedade. Foi fruto de uma convenção para tornar a Inglaterra, a maior potência Européia dos séculos XVIII e XIX, no centro do mundo. Convencionou-se iniciar o 0° longitudinal tendo como referência o observatório astronômico de Greenwich na Inglaterra. Portanto, os mapas cartográficos são ideológicos, são referências de interesses geopolíticos”.


[Quando eu vou ao banco, às 9 horas, no horário de verão, no restante do Brasil já é meia noite. Eu não posso sacar dinheiro.]


A Hora Legal

‘Cada país, ainda que tome como com base a sua localização geográfica, tem a liberdade de instituir seu conjunto de horas legais, levando em conta suas peculiaridades e aspectos políticos. Em suma, o que precisa ser feito é estabelecer as fronteiras dos fusos horários, que raramente coincidem com os traçados retos dos meridianos, pela necessidade de acompanhar fronteiras entre estados e entre paises, por exemplo. Se o país possuir uma dimensão muito grande no sentido leste-oeste, precisará estabelecer várias horas legais (acompanhando os fusos), mas se ele for extenso apenas no sentido norte-sul, poderá adotar uma hora legal única em todo o país.
A antiga União Socialista Soviética, por exemplo, possuía 12 horas legais, os Estados Unidos possuem 6 horas legais (incluindo o Alaska), enquanto a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o Chile possuem apenas uma hora legal. Observa-se, ainda, que o critério adotado pela Argentina é muito diferente do adotado pelo Paraguai, uma vez que, embora ambos tenham seus territórios localizados sobre o eixo de fuso horário de 60°, a Argentina adota como hora legal a do eixo de 45°, que corresponde uma hora adiantada, enquanto o Paraguai adota a do eixo de 60º, mais natural’.

[Os bancos não tratam os acreanos como brasileiros. Eles não levam em conta o horário de vida do povo acreano.]

A Hora do Brasil

‘A área territorial brasileira está compreendida entre os meridianos de 30° e 75° a leste do Meridiano de Greenwich, configurando 4 fusos horários. O sistema de fusos horários foi estabelecido pelo Decreto nº 2.784, de 18 de junho de 1913, que define, igualmente, a hora legal, também chamada hora oficial, é o intervalo de tempo igual para um determinado fuso horário. Já hora local é a hora referida a um meridiano local, comparada com a hora referida ao meridiano dum fuso horário, ou o meridiano de Greenwich.
Devido sua longa extensão no sentido leste-oeste, o Brasil possui quatro fusos horários:
- O primeiro fuso compreende apenas algumas ilhas oceânicas e tem 1 hora a mais que o Horário de Brasília. São elas: Fernando de Noronha, Trindade, Martin Vaz, Atol das Rocas e Penedos de São Pedro e São Paulo.
- O segundo fuso compreende os Estados de RS, SC, PR, SP, MG, RJ, ES, GO, TO, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, MA, AP, a porção leste do PA e o Distrito Federal e corresponde ao Horário Oficial do Brasil (Horário de Brasília).
- O terceiro fuso compreende os Estados de MS, MT, RO, RR, a porção oeste do PA e AM, exceto extremo oeste e tem 1 hora a menos que o Horário de Brasília.
- O quarto fuso compreende o Estado do Acre e o extremo oeste do Amazonas e tem 2 horas a menos que o Horário de Brasília. Os municípios amazonenses são: Atalaia do Norte, Boca do Mooco, Benjamin Constant, Eirunepé, Envira e Ipixuna. Como veremos adiante, um município acreano, Porto Acre, está no terceiro fuso.
Por motivos práticos, no âmbito mundial, não são obedecidas as divisões dos fusos a partir dos meridianos que os definem. Na verdade, são feitas adaptações, em geral, a partir dos limites político-administrativos, evitando-se assim a existência de mais de um horário numa mesma unidade, excetuando-se, no caso do Brasil, os Estados do Pará e Amazonas’. Observe que, em todos os textos, se esquece de Porto Acre que, de acordo com a Lei 2.784, está no terceiro fuso.

Os Fusos do Brasil

Neste trabalho literário em defesa da integração do Acre utilizaremos a terminologia quarto fuso, no lugar de fuso de cinco horas, para designar a posição do Acre. Da mesma forma, em relação a Brasília, utilizaremos a designação segundo fuso, no lugar de fuso de três horas.
O mapa abaixo apresenta os estados e seus respectivos fusos horários. Como se pode ver, apenas o Acre e um pedaço do Amazonas estão no quarto fuso. Em relação ao primeiro fuso, observe que atinge apenas algumas ilhas: Fernando de Noronha, Trindade, Martin Vaz, Atol das Rocas e Penedos de São Pedro e São Paulo. Dessa forma, praticamente todo o Brasil está no terceiro e segundo fuso, especialmente nesse último, que é a hora de Brasília.

27 patinhos feios?

O Acre (junto com seis pequenos municípios do Amazonas) é o único Estado da Federação a ocupar o quarto fuso, menos de duas horas em relação ao tempo de Brasília. Numa linguagem mais clara: dentre os 5.561 municípios brasileiros, apenas vinte e sete deles têm duas horas de diferença em relação ao horário de Brasília (vinte e um do Acre e seis do Amazonas).

Os prejuízos do 4º fuso

O Acre vem enfrentando imensos transtornos nesses noventa e dois anos de convivência com um fuso que inviabiliza a vida do nosso povo. Dentre os principais constrangimentos, indicamos:

a) A programação de TV, gerada no sul e sudeste, não respeita o horário do povo acreano. Programas de meia noite no restante do Brasil, aqui no Acre, são apresentados às 22 horas. Com o horário de verão, o constrangimento se multiplica, quando a diferença de horário entre o Acre e o sul/sudeste é de três horas. Programas impróprios são apresentados no Acre às nossas crianças e adolescentes, expondo nossos filhos a cenas de sexo e de violência, devido à brutal diferença de horário.

b) Do horário bancário aos constrangimentos nos vôos para fora do Acre, o fuso de duas horas em relação à Brasília imprime na alma do povo acreano a velha pergunta: Brasília nos considera brasileiros ou filhos enjeitados da Nação?

c) Um vôo do Acre para Brasília, com uma diferença de três horas no horário de verão, pode produzir sintomas desagradáveis, especialmente quando há repetição. A mudança de fusos horários altera o ritmo circadiano, o nosso relógio biológico, produzindo sintomas como insônia, sonolência diurna, indigestão, irritabilidade e dificuldade de concentração.

[Os ricos podem mudar de canal, protegendo os seus filhos de um programa pornográfico ou violento. Mas, os pobres só têm um televisor em casa...]

Crianças brasileiras são campeãs mundiais
de permanência diante da televisão

‘As crianças brasileiras são as que passam mais tempo diante da televisão no mundo, seguidas das americanas, de acordo com uma pesquisa da Eurodata TV Worldwide divulgada nesta segunda-feira (17), na França.
Segundo este estudo, realizado em nove países (Brasil, Estados Unidos, Indonésia, Itália, África do Sul, Espanha, Reino Unido, França e Alemanha), a televisão continua sendo uma fonte essencial de entretenimento para as crianças, mas o tempo que se passa em frente à tela varia enormemente de um país para o outro.
Por exemplo, uma criança brasileira permanece 3 horas e 31 minutos por dia diante da televisão e uma americana chega a 3 horas e 16 minutos. As alemãs não ficam mais que uma hora e meia em frente ao televisor, mesmo que 95% dos lares tenham acesso à TV a cabo e a uma ampla oferta de canais gratuitos’.

A TV é a principal vilã

O último capítulo desse trabalho será dedicado a ouvir especialistas sobre os impactos da televisão brasileira na ‘formação’ de nossas crianças e de nossos adolescentes. A presente pesquisa acende o sinal vermelho nesse debate, especialmente se colocarmos o componente fuso horário. No Acre, os programas nacionais são apresentados duas horas antes, indo para três, no horário de verão.
Milhares de crianças acreanas são submetidas a uma programação imprópria, que deforma e incita ao sexo precoce e à violência. Essa situação se torna mais grave e letal na periferia, considerando que as famílias pobres têm apenas um televisor, inviabilizando as opções de programação. Lá, onde a miséria ronda os lares, não é possível os adultos assistirem um programa no quarto e as crianças ficarem ‘vendo outra televisão’ na sala.
As crianças da periferia, junto com a sua família, têm escassas alternativas de lazer. ‘Assistir televisão’ é a única possibilidade de lazer que lhes resta. É comum encontrar, nesses lugares, toda a família ao redor de um televisor, muitas vezes, assistindo um programa impróprio para crianças.

[Os pais e as mães de nossas crianças pobres, indefesas, agradecerão a todos aqueles que lutarem para proteger o seu desenvolvimento espiritual]

Capítulo II
O MAPA DA DISCRIMINAÇÃO



Opção entre Fusos

É preciso que se saiba que a hora de cada fuso tem, em seus meridianos, limites teóricos. Em outras palavras, a hora é aparente. Nem sempre uma linha imaginária, sobre um país, pode marcar, sem embaraços, um limite-horário indiscutível.

A opção que não incomoda

O meridiano de 45º que marca, no Brasil, o segundo fuso, cortaria, no seu limite oriental, os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, o que significaria, para cada um destes Estados, uma diferença horária ao longo do meridiano de 45º. Dados os problemas que resultariam daí, para facilitar a questão, convencionou-se, neste caso, que o primeiro fuso, o qual engloba as ilhas oceânicas do Brasil, não incorpore aquela parte do continente, entregando-a ao segundo fuso.
Detalhadamente, os estados nordestinos de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte têm dois fusos horários, de acordo com a Hora Legal, do Meridiano de Greenwich. Nesse caso, as capitais dos cinco estados ficariam no Fuso Um, o que significaria uma hora de diferença para Brasília. Vá até a contra capa, olhe à direita no mapa, e verá que, nos cinco estados citados, o limite entre o primeiro e o segundo fuso foi desviado para a direita.
Observe que o desvio do limite teórico foi utilizado para colocar dentro do segundo fuso todo o território dos referidos estados, incluindo as capitais. Dessa forma, os cinco estados nordestinos ficaram com os seus territórios dentro do segundo fuso, a hora de Brasília. Isso ocorreu no dia 18 de junho de 1913, com a Lei 2.784. Essa negociação foi patrocinada pelos políticos desses cinco estados nordestinos. Isso aconteceu, repito, em 1913.
Igualmente, esse meridiano de 45º, no seu limite ocidental, cortaria o Amapá, o Pará, Mato Grosso, Goiás , o Paraná e o Rio Grande do Sul. Ficou também convencionado que o limite coerente, do segundo e terceiro fusos, deveria passar pela linha que, de norte para sul, deixando todo o Amapá para este, e, em seguida seguindo pelo rio Xingu até encontrar a geodésica que divide o Pará e Mato Grosso, continuando por esta divisória até o rio Araguaia, pelo qual prosseguiria, deixando os Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para o terceiro fuso e, finalmente, cedendo os Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul para o segundo fuso.
Detalhadamente, os estados do Amapá, Mato Grosso e Mato grosso do Sul, que têm também dois fusos, optaram por ficar no terceiro fuso, a uma hora de diferença de Brasília. Já os estados do Paraná e Rio Grande do Sul optaram por ficar no segundo fuso, hora de Brasília. Novamente, os políticos de lá, em 1913, negociaram para que os seus estados tivessem apenas um fuso horário. Olhe novamente no mapa, na contra capa, e veja que os limites foram desviados. Em suma, os limites teóricos foram suprimidos para levar em conta os limites reais e as necessidades de cada estado.
De igual maneira, muitos países resolvem as suas diferenças horárias conforme as suas peculiaridades e interesses. Exemplo disso é o caso da Argentina, que teoricamente, se acha no fuso de quatro horas, mas que resolveu ficar situada no fuso de três horas, igual ao tempo de Brasília, a capital do maior país da América Latina.
Como você pode ver no mapa, na contra capa, apenas os estados de Rondônia, Acre, Roraima e Pará não fizeram opção por apenas um fuso para o conjunto de seus territórios. E por que? Analisemos um a um.



Pará

O estado é cortado literalmente ao meio e, considerando o gigantismo de seu território, não tinha como unificar em um único fuso.

Roraima e Rondônia

O território dos dois estados está totalmente dentro do terceiro fuso. Nenhuma argumentação valeria para retirá-los de lá. Confirme essa informação no mapa, na contra capa.

Acre

Como você pode ver no mapa, o Acre é o único estado do Brasil que, mesmo tendo dois fusos, não fez opção apenas por um. A parte principal do estado, incluindo a capital, ficou no quarto fuso e apenas um município ficou no Terceiro Fuso, como veremos abaixo.

Porto Acre está no Terceiro Fuso

De conformidade com a Lei 2.784, de 18 de julho de 1913 e do Decreto 10.546, de 18 de julho do mesmo ano, que a regulamentou, o município de Porto Acre está no terceiro fuso, enquanto todo o restante do Acre está no quarto fuso. Veja, a seguir, a Lei e o Decreto em questão:

Lei No 2.784 DE 18 DE JUNHO DE 1913

Determina a Hora Legal

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:

Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a resolução seguinte:

Art. 1o - Para as relações contractuaes internacionaes e commerciaes, o meridiano de Greenwich será considerado fundamental em todo o território da Republica dos Estados Unidos do Brazil.

Art. 2o - O território da republica fica dividido, no que diz respeito à hora legal, em quatro fusos distinctos:

- O primeiro fuso, caracterizado pela hora de Greenwich "menos duas horas", comprehende o archipelago Fernando de Noronha e a ilha Trindade;

- O segundo fuso, caracterizado pela hora de Greenwich "menos tres horas", comprehende todo o litoral do Brazil e os Estados interiores (menos Matto-Grosso e Amazonas), bem como parte do Estado do Pará delimitada por uma linha que, partindo do monte Crevaux, na fronteira com a Guyana Franceza, vá seguindo pelo alveo do rio Pecuary até o Javary, pelo alveo deste até o Amazonas e ao sul pelo leito do Xingú até entrar no estado de Matto-Grosso;

- O terceiro fuso, caracterizado pela hora de Greenwich "menos quatro horas", comprehenderá o Estado do Pará a W da linha precedente, o Estado de Matto-Grosso e a parte do Amazonas que fica a E de uma linha (círculo maximo) que partindo de Tabatinga, vá a Porto Acre; (incluidas essas duas localidades no terceiro fuso);

- O quarto fuso, caracterizado pela hora de Greenwich "menos cinco horas", comprehenderá o territorio do Acre e os cedidos recentemente pela Bolivia, assim com a área a W da linha precedentemente descripta;

Art. 3o - Ficam revogadas as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 18 de junho de 1913
92o da Independência e 25o da Republica.

HERMES DA FONSECA

Jurisprudência

No Direito, chama-se jurisprudência ‘o conjunto das decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais superiores, adaptando as normas às situações de fato’. O Acre utilizará a jurisprudência de dez estados brasileiros, que deviam ter os seus territórios divididos em dois fusos, mas optaram apenas por um. Veremos adiante porque o Acre, o 11º estado dividido em dois fusos, não fez também essa opção. Porto Acre será a nossa porta de entrada no terceiro fuso.
Mas, antes, vamos dar uma olhada em algo engraçado, se não fosse trágico. Observe o quadro abaixo e veja o quanto cada capital de estado teve que reajustar o seu relógio, com a aprovação da Lei 2.784, de 1913. Veja que o Acre tinha, à época, duas capitais. Uma chamada Empreza, no Vale do Acre e outra de nome Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá. Na verdade, eram capitais de departamentos, recém-criados, considerando que nós estamos falando de 1913. A discriminação era tanta que, mesmo a capital do departamento ter mudado para Rio Branco em 1912, os documentos oficiais do Brasil, em 1913, continuavam chamando de Empreza.




[Os finais de tarde no Acre serão mais longos, proporcionando mais tempo para as atividades físicas, espirituais e de lazer.]



Por que o Acre não negociou?

Como poderia negociar? Em 1913, ano da aprovação da Hora Legal do Brasil, o Acre era ainda uma criança no tabuleiro político do Brasil. Havia apenas quatro anos que o Brasil pusera um fim ao litígio com o Peru. E havia apenas dez anos do fim de uma revolução armada. Aos acreanos interessava, naquele ano de 1913, olhar mais para as suas fronteiras do que para os ponteiros do relógio.
Sequer tínhamos governador. Éramos administrados por três prefeitos de departamento (Alto Acre, Purus e Juruá) e nomeados pelo governo central. O Acre só iria ter um governador sete anos depois, em 1920. Quanto a representantes no congresso nacional, só iríamos adquirir esse direito com a Constituição de 1934, que nos garantiu dois membros na Câmara dos Deputados.
Um ano antes, em 1912, iniciou-se o declínio da borracha, ocasionado pela concorrência de outros mercados produtores e as crises internacionais. O crescimento acentuado, que experimentamos nos primeiros anos, foi interrompido e uma decadência geral passou a predominar. As cidades esvaziaram-se, perdendo suas funções de entrepostos comerciais, observando-se uma acentuada decadência das pequenas cidades e vilas.
Como se pode ver, o Acre não tinha ainda representação na capital federal e estávamos saindo de duas disputas. Uma armada, com a Bolívia e a outra diplomática, com o Peru. Não detínhamos poder, pois esse não emanava do povo acreano. Era concessão de cima, no caso, o governo central do Rio de Janeiro. E, para completar a nossa tragédia, nossas elites regionais estavam fragilizadas pelo declínio da borracha, nosso único poder.
1913 não foi um ano bom para os acreanos!
E, por fim, faz-se necessário lembrar que os atuais transtornos do fuso horário, com diferença de duas horas de Brasília, não estavam presentes na vida do povo acreano. Horário bancário e de vôos não faziam parte do nosso cotidiano. Muito menos a pornografia e a violência da televisão.
Hoje, a realidade é outra. E, nesse caso, a ‘outra’ violenta nossos lares, nossos costumes, a moral das famílias e ‘educa’ nossas crianças para a promiscuidade e a violência.

Os mesmos direitos

O que o povo do Acre exige são os mesmos direitos de outros Estados que, tendo dois fusos horários em seus territórios, optaram apenas por um, nesse caso, o fuso mais próximo de Brasília. Fazemos questão de repetir os exemplos:

a) O meridiano de 45º que marca, no Brasil, o segundo fuso, cortaria, no seu limite oriental, os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, o que significaria, para cada um destes Estados, uma diferença horária ao longo do meridiano de 45º. Dados os problemas que resultariam daí, para facilitar a questão, convencionou-se, neste caso, que o primeiro fuso, o qual engloba as ilhas oceânicas do Brasil, não incorpore aquela parte do continente, entregando-a ao segundo fuso.

b) Igualmente, esse meridiano de 45º, no seu limite ocidental, cortaria o Amapá, o Pará, Mato Grosso, Goiás, o Paraná e o Rio Grande do Sul. Ficou também convencionado que o limite coerente, do segundo e terceiro fusos, deveria passar pela linha que, de norte para sul, deixando todo o Amapá para este, e, em seguida seguindo pelo rio Xingu até encontrar a geodésica que divide o Pará e Mato Grosso, continuando por esta divisória até o rio Araguaia, pelo qual prosseguiria, deixando os Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para o terceiro fuso e, finalmente, cedendo os Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul para o segundo fuso.
Como se pode ver, cinco Estados do Nordeste que, de acordo com o meridiano de Greenwich, deveriam ter dois fusos horários, optaram por ficar no segundo fuso, adequando-se ao horário de Brasília. Da mesma forma, Paraná e Rio Grande do Sul fizeram a opção pelo segundo fuso, apesar de terem os seus territórios divididos em dois fusos.
O Acre só exige os mesmos direitos! Queremos a extinção do quarto fuso e os seus noventa e dois anos de discriminação que o envolveram. O Acre quer pertencer ao terceiro fuso, como já faz parte o município acreano de Porto Acre e os Estados vizinhos do Norte.

A Linha do Constrangimento

Pediria que o leitor fosse novamente à contra capa, e desse mais uma olhada no mapa. Observe que o fuso horário é determinado pela linha dos meridianos. No caso do Acre, à esquerda do mapa, veja que o meridiano de 75º passa longe de nossas fronteiras. Os únicos estados que se assemelham ao Acre são os cinco nordestinos citados (RN, PB, PE, AL, SE),do lado direito do mapa. E esses optaram por ficar no segundo fuso.
Para que não paire nenhuma dúvida, observe a última linha à direita do mapa, do meridiano de 30º. Veja que a distância entre este e a fronteira dos estados nordestinos é a mesma da fronteira do Acre com a linha do meridiano de 75º, à esquerda do mapa. Por que os cinco estados nordestinos, que estão em situação semelhante a do Acre, puderam optar e os acreanos não?
Olhe novamente para o mapa e descobrirá que não há nenhum motivo para o Acre continuar isolado no quarto fuso. Geograficamente, estamos mais próximos do terceiro fuso, a uma hora apenas de Brasília. Juridicamente, temos a jurisprudência de estados que, tendo dois fusos como o Acre, optaram apenas por um. E, finalmente, nosso povo exige que cessem todos os constrangimentos por causa da brutal diferença de horário.

Acordar com o canto do galo

Quando em Brasília são sete horas, aqui no Acre são cinco horas da manhã. Isso significa dizer que, mudando o Acre para o terceiro fuso, vamos iniciar as nossas atividades uma hora antes. É natural que haverá impactos na rotina das pessoas. Acordar uma hora mais cedo não é algo fácil, depois de gerações. Todavia, se houver interesse do povo e de seus líderes, é possível estabelecer alguns pactos.
Eu quero citar apenas alguns exemplos. É lógico que, a partir da decisão de mudar o fuso horário e encaminhar a votação da emenda na Câmara Federal, o Acre proverá ampla discussão acerca dessas mudanças. Pode-se estabelecer, por exemplo, o início das aulas e do trabalho nas repartições públicas, a partir das sete e trinta horas. É possível ainda reduzir a jornada de trabalho dos acreanos, aliás, uma bandeira histórica dos trabalhadores.
Iniciar as atividade às sete e trinta significa que estaremos indo ao trabalho e à escola às seis e trinta do nosso antigo relógio. Biologicamente, sete e trinta seria seis e trinta da manhã. Considerando que, no nosso antigo relógio, as atividades começavam às sete horas, nós vamos ter um impacto biológico de apenas meia hora. Aliás, a esmagadora maioria do povo acreano acorda cedo, fruto de nossas raízes na floresta, quando nossos pais colhiam, na madrugada, o leite da hevea brasiliensis.
Outra medida importante seria negociar para que o Acre entrasse no horário de verão. A medida, além de garantir economia de energia entre outubro e fevereiro, ajudaria a minimizar os impactos do fuso horário. Nesse período, a nossa diferença é de três horas em relação a Brasília.
Quanto à redução da jornada de trabalho, uma palavra merece ser dita. Reduzir em meia hora por dia, significa que teremos uma jornada de 41 horas semanais. Eu não acredito que o Acre terá reduzida a sua produtividade por causa de trinta minutos a menos nas suas frentes de trabalho.

[Mudar o fuso do Acre é economizar uma hora de energia. São alguns milhões de reais por ano. Para nós é muito dinheiro.]


Capítulo III
ENTREVISTA

“É possível mudar o Fuso Horário do Acre!”

“A gente não muda o fuso enquanto o povo estiver confuso!” Foi com essa frase que o deputado Moisés Diniz (PCdoB) abriu a sua entrevista sobre a sua proposta de mudar o fuso horário do Acre. O Acre é o único estado da federação (junto com seis municípios amazonenses) a fazer parte do quarto fuso, ficando a duas horas de diferença do horário de Brasília. No horário de verão, essa diferença aumenta para três horas, produzindo imensos transtornos à população.
Leia a seguir alguns trechos da entrevista.

Deputado, de onde surgiu a idéia de mudar o Fuso Horário do Acre?
A partir de um estudo do professor Roberto Feres, da Universidade Federal do Acre, que apresentou uma argumentação que eu considerei factível. A partir daí, nós procuramos consolidar aquela argumentação. Hoje, nós estamos com o instrumental técnico para caminhar no rumo da mudança de fuso horário do Acre. Falta, agora, construir o instrumental político.

É possível mudar o Fuso Horário?
Sim, é possível um país, soberanamente, optar por deslocar-se de um Fuso para outro, desde que seja o fuso próximo. Por exemplo: sair do terceiro para o segundo fuso. O país pode ainda adequar as suas regiões. Essa adequação ocorreu em 1913, quando o Brasil regulamentou a Hora Legal, instituindo os quatro fusos, a partir do meridiano de origem, o de Greenwich. O problema é que, naquela época, o Acre era ainda uma criança. Acabara de sair de uma Revolução, suas elites estavam tentando se firmar como novos membros da nação.

Qual o caminho para conseguir isso?
Em primeiro lugar, perguntar ao povo acreano se ele quer, verdadeiramente, romper com quase um século de discriminação e de transtornos em relação ao restante do país. Somos o único estado brasileiro (e mais seis pequenos municípios amazonenses) a nos situarmos no quarto fuso. E essa situação já produziu muito constrangimento, inclusive problemas de saúde.

Por exemplo
Um vôo do Acre para Brasília, com uma diferença de três horas no horário de verão, pode produzir sintomas desagradáveis, especialmente quando há repetição. A mudança de fusos horários altera o ritmo circadiano, o nosso relógio biológico, produzindo sintomas como insônia, sonolência diurna, indigestão, irritabilidade e dificuldade de concentração. Isso para os que viajam, já aqueles que ficam aqui são obrigados a engolir a imoralidade da tv num horário impróprio.

A programação de TV?
Sim, o que é feito com as nossas crianças e os nossos adolescentes é uma violência. Precisa parar! A programação da meia noite, no resto do Brasil, aqui passa às dez. E, no horário de verão, filmes pornográficos passam aqui às nove horas da noite. A mudança do Fuso é uma sentença de morte para esse crime contra as nossas crianças.

E na área econômica?
Vamos economizar uma hora de energia elétrica, as empresas de ônibus podem economizar nas horas extras e transformar essa economia em redução de tarifas. Vamos ter normalidade nos horários bancários e nos horários de vôos para fora do Acre. Vai ser bom! Vamos aproveitar o clima ameno da manhã e as nossas tardes serão mais longas. Até os marginais vão ficar confusos com a mudança, teremos mais tempo de luz e menos tempo de escuridão!

Voltando ao caminho para mudar o Fuso Horário?
Em primeiro lugar, é preciso saber que a hora de cada fuso tem, em seus meridianos, limites teóricos, a hora é aparente. Nem sempre uma linha imaginária sobre um país pode marcar, sem embaraços, um limite-horário indiscutível. Há estados brasileiros que estão num fuso e se regulam por outro. Porto Acre será a nossa porta de entrada no terceiro Fuso. Pois, como município acreano, está incluído no terceiro fuso, enquanto todo o restante do estado fica no quarto fuso. Isso está escrito na Lei!

Há exemplos reais onde se fez opção por outro Fuso?
Sim, o meridiano de 45º, que marca no Brasil o segundo fuso, cortaria no limite oriental os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Isso significa dizer que esses estados teriam dois fusos: o primeiro e o segundo. Convencionou-se, então, que aqueles estados seriam entregues ao segundo fuso, zerando os seus relógios em relação à capital Brasília, que naquela época era o Rio de Janeiro, que tem o mesmo horário daquela. A Argentina, outro exemplo, que teoricamente se acha no Fuso de quatro horas, decidiu ficar no Fuso de três horas, igual ao tempo de Brasília.

Quais os próximos passos?
Fazer a negociação que nossas elites regionais não puderam fazer em 1913! A história sobre isso é tão bizarra que no texto da Lei 2.784, de 18 de junho de 1913, quando determinou que o Acre ficaria no quarto fuso, está escrito assim no seu artigo segundo: “compreenderá o território do Acre e os cedidos ‘recentemente’ pela Bolívia.” Eu acredito na força do Acre, nas suas lideranças nacionais, pra gente vencer mais esse preconceito de região. Um preconceito mais mortal que qualquer outro tipo de discriminação, porque não segrega apenas indivíduos ou grupos sociais, mas todo um povo!

Último passo?
Apresentar uma Emenda à Lei 2.784, de 18 de Junho de 1913, incluindo os demais 21 municípios do Acre ao fuso de Porto Acre e, portanto, ao fuso do Norte.

[O que é feito, em relação à programação da TV, com as nossas crianças e os nossos adolescentes é uma violência]


Capítulo IV
AS PRIMEIRAS LUZES


Centenas de estudiosos vêm utilizando o Acre como cobaia acadêmica para discutir os efeitos devastadores da TV na ‘formação’ de nossas crianças e de nossos adolescentes. Às centenas, eles escrevem e vivem em outras terras, são acadêmicos de grandes universidades do sul e do sudeste.
Aqui na terra de Galvez, estranhamente, muito pouco se escreveu. Assim, as ações e decisões judiciais de magistrados acreanos, aqui relatadas, são as primeiras luzes.

O Acre não existe

‘O Ministério da Justiça e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) formaram um grupo para reavaliar alguns pontos da portaria que determina mudanças nas regras de classificação para espetáculos e programas de TV, prevendo punições baseadas no Estatuto da Criança e do Adolescente às emissoras. Um dos pontos discutidos foi a questão do fuso horário. Uma atração em rede nacional para ser exibida às 21 horas vai ao ar uma hora antes em estados do Norte e do Nordeste. Assim, nesses locais, as emissoras estariam contrariando a determinação da portaria, que veda a exibição de programa não recomendado para crianças com menos de quatorze anos antes das 21 horas’.

Comentário

Observe que o autor do texto, equivocadamente, inclui o nordeste entre as regiões que têm uma hora de diferença em relação a Brasília. Como é sabido, o terceiro fuso compreende os Estados de MS, MT, RO, RR, a porção oeste do PA e AM, exceto extremo oeste e tem uma hora a menos que o horário de Brasília.
Veja ainda que ele sequer inclui o Acre e a nossa diferença de duas horas em relação a Brasília. Como a referida portaria veda a exibição de programas não recomendados para crianças com menos de quatorze anos, antes das 21 horas, a programação da TV brasileira não leva em conta essa brutal diferença, especialmente no horário de verão. Assim, um programa liberado às 21 horas, no horário de Brasília, de acordo com a lei, para crianças acima de quatorze anos, no Acre ainda são 7 horas da noite e, no horário de verão, são 6 horas da tarde.

A Primeira Liminar

‘As novelas Kubanakan e Celebridades, da Rede Globo, o programa do Ratinho, do SBT, e o Cine Privê, da Bandeirantes, serão exibidos no Acre em horário igual dos grandes centros, graças a uma liminar concedida pelo juiz federal David Wilson Pardo a pedido de uma ação popular impetrada pelo procurador federal Marcos Vínicius. A ação exige que as repetidoras locais se adequem à portaria do Ministério da Justiça, que determina que programas impróprios para menores de 12 anos veiculem após as 20 horas. Pelo fuso e o horário de verão, esses programas eram veiculados três horas a menos’.

Juiz manda mudar horário do Zorra Total

‘O juiz David Wilson de Abreu Pardo determinou ontem que o programa humorístico Zorra Total, apresentado aos sábados pela TV Acre, passe a ser exibido a partir das 21 horas. “Por conta da diferença de fuso horário entre os estados do Sul e Norte, a veiculação do programa Zorra Total em horário inadequado desrespeita as normas do Ministério da Justiça contidas na Portaria nº 796/2000, que estabelece regras classificatórias para programação de TV, além de violar princípios constitucionais que protegem a família, a criança e o adolescente”, diz nota do Ministério Público Federal, que pediu a mudança.
A TV é retransmissora da Rede Globo. As duas empresas têm prazo de trinta dias para que programação diária no Acre seja modificada, sob pena de sofrer multa diária de dez mil reais. “Ao contrário do que se possa alegar, tal decisão não compromete a liberdade de expressão, comunicação, nem mesmo, impõe qualquer censura ao programa em si. Apenas situa sua transmissão em horário compatível com seu público-alvo, respeitando, assim, os valores éticos e sociais da pessoa e da família”, justifica o MP’.

Comentário

Ações judiciais permanentes e a gravação de programas são as conseqüências imediatas dessa situação insustentável. As famílias, vendo os seus filhos bombardeados por uma programação violenta e pornográfica, apelarão à justiça. Assim, a única saída para a brutal diferença de horário será a ação judicial. O Acre vai voltar ao tempo dos programas gravados.
Enquanto todo o Brasil assiste aos programas nacionais, o Acre aguardará duas horas (três no horário de verão) para ver os seus filmes, novelas e até telejornais. A única saída é a mudança de fuso horário, reduzindo para uma hora a nossa diferença em relação à Brasília.

‘Noite Afora’ na justiça

DECISÃO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil pública, com pedido de liminar, em face da UNIÃO, REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA, objetivando compelir as emissoras demandadas a adequarem sua grade de programação diária para que a transmissão do Programa Televisivo “NOITE AFORA” seja efetivamente veiculado neste Estado a partir das 23 (vinte e três) horas, por se tratar de programa não-recomendado para menores de 18 (dezoito) anos, consoante determinação contida na Portaria n. 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça.

2. Aduz o Ministério Público Federal que direitos dos telespectadores acreanos estão sendo violados pelas referidas emissoras, ao argumento de que as mesmas veiculam, em horário que ainda conta com um expressivo número de telespectadores crianças e adolescentes, o Programa Televisivo “NOITE AFORA”, que tem como objetivo principal a difusão descontrolada de assunto estritamente sexual, sem nenhuma restrição a imagens de nudez e pornografia, o que, segundo o autor, reflete negativamente na formação do caráter e da personalidade das crianças e dos adolescentes.

3. No que concerne à União, postula provimento jurisdicional no sentido de condená-la a exercer, através de suas repartições próprias, um controle efetivo sobre programas veiculados pelas emissoras demandadas, de modo a coibir a exibição de quaisquer outros eventos que estejam em desacordo com a Portaria n. 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça.

4. Em manifestação às fls. 41/42, a União não se opôs à medida liminar.

5. Decido.

6. Do exame preliminar dos autos, em linha de cognição sumária, vejo que são relevantes os fundamentos do pedido e que, em princípio, a presença da União no pólo passivo desta ação decorre do fato de a ela caber a exploração, direta ou indireta, dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, nos termos do artigo 21, inciso XII, a, da Constituição Federal.

7. Com efeito, no estado democrático de direito deve prevalecer a harmonia efetiva entre a liberdade conferida aos meios de comunicação social e os direitos e liberdades assegurados à pessoa e à família para se defenderem de programas ou programação de rádio e televisão que contrariarem a ordem jurídica em vigor.

8. Nisso, diz a Constituição Federal:

“Art. 5º (...)
IX. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (grifei)

§ 3º. Compete à lei federal:
II - Estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.”

“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativos;
II ­­­– promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”

9. Desta forma, a vedação de qualquer censura à manifestação do pensamento, à criação e à informação, sob qualquer forma de expressão, não afasta a observância das normas constitucionais balizadoras da produção e programação das emissoras de rádio e televisão. Tampouco elimina a possibilidade de defesa quanto aos programas de televisão que contrariem os princípios insculpidos no artigo 221, em especial os que tutelam os valores éticos e sociais da pessoa e da família, já transcritos, inclusive por meio da tutela jurisdicional, tendo em vista o disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna.

10. É indiscutível a força exercida pela televisão como agende modelador de costumes e formador de opinião na sociedade contemporânea, sendo inegável os benefícios por elas proporcionados. Todavia, não há dúvida de que a indevida utilização desse importante veículo de comunicação social na divulgação de programas como o espelhado nestes autos viola liberdades e direitos ínsitos no ordenamento constituído, exigindo providências efetivas e imediatas para restauração das esferas jurídicas violadas.

11. Quanto aos efeitos nocivos decorrentes da exibição, em horário impróprio, do programa em questão neste Estado, bem os retrata a inicial quando assevera:

“No entanto, como é sabido, no Estado do Acre, em virtude da peculiar diferença – a menor – de fuso horário de 02(duas) horas com relação à Capital Federal, e como as empresas-rés não fazem a adequação de sua grade de programação diária, o programa televisivo ‘NOITE AFORA’ acaba sendo exibido antes do período autorizado pela aludida portaria.

Atenta-se, desta forma, nesta Unidade Federada, contra a formação da família acreana, em especial de seus adolescentes e crianças, que são passíveis de se deixar impressionar e desencadear atitudes de imitação, situação esta que tende a se tornar mais crítica nos próximos dias, quando for implementado o “horário de verão”, momento em que a programação das emissoras acaba sendo adiantada no Estado do Acre em mais 01 (uma) hora, perfazendo um total de 03 (três) horas de diferença – a menor – com o restante do Brasil.

Ora, não se pode negar que o programa ‘NOITE AFORA’, com seus excessos desnecessários, sendo apresentado em horário em que estão acordados adolescentes e crianças, atiça precocemente a libido desses espectadores, em nada contribuindo para a conservação dos valores éticos que sustentam a sociedade local, porque são pessoas que ainda atravessam, ou estão prestes a iniciar, a natural etapa do desenvolvimento inerente a todo ser humano, que é a formação do caráter e da personalidade.”

12. O pleito do Ministério Público Federal, antes de se constituir em ato de censura, objetiva oferecer às crianças e adolescentes do Acre o mesmo tratamento a eles reservado nas regiões Sul, Centro e Centro-Sul do Brasil, onde tais programas adultos são veiculados em horário adiantado (acima das 23 horas em cumprimento), poupando àqueles infantes da exposição desnecessária a cenas altamente eróticas.

13. Não é razoável que em razão da diferença de fuso-horário própria do Brasil continental a criança e adolescente do Acre sejam expostas às cenas de sexo, as mais variadas possíveis, e não tenham a mesma proteção que a lei lhes garante naqueles estados com horário adiantado. Portanto, mostra-se induvidosa a plausibilidade do direito cuja tutela é buscada na presente ação.

14. Por fim, a medida de urgência se justifica em face do início do horário verão, que irá antecipar em 3 (três) horas a programação veiculada no horário oficial (Brasília), de sorte que um programa repleto de forte apelo erótico veiculado em Brasília às 23 horas será transmitido, simultaneamente, às 20 horas no Acre, momento em que as famílias repousam e assistem televisão no recanto do lar. Impõe-se assim a medida para proteger os valores familiares tutelados pela Constituição Federal, e em especial crianças e adolescentes, atingidos na estrutura da sua personalidade ainda em formação, e pela violação do seu direito a uma programação sadia e que respeite sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, consoante disposto no artigo 227, da Constituição Federal.

15. Desta forma, presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida, DEFIRO a liminar requerida para determinar que as emissoras demandadas ajustem sua grade de programação diária para que a transmissão do Programa Televisivo “NOITE AFORA” seja efetivamente veiculado neste Estado do Acre a partir das 23 (vinte e três) horas, por se tratar de programa não-recomendado para menores de 18 (dezoito) anos, consoante determinação contida na Portaria n. 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, sob pena de multa cominatória diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sem prejuízo das sanções penais e administrativas decorrentes da desobediência.

16. Cite-se a União, REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA e intime-se esta última, por seu Diretor ou quem suas vezes fizer, para imediato cumprimento desta decisão.

17. Intimem-se.

Rio Branco (AC), 21 de outubro de 2003.

JAIR ARAÚJO FACUNDES
Juiz Federal Substituto da 3ª Vara

Comentário

Uma bela peça jurídica para aqueles que se sentem impotentes diante de uma programação televisiva que ‘educa’ para o sexo precoce e para a violência. Aqui você encontra argumentação jurídica para barrar a imoralidade da televisão que, sem a sua autorização, atinge a inocência dos seus filhos.

Na Amazônia, ‘Brinquedo Assassino’ é programa infantil

Paulo José Cunha

Ao retornar de uma viagem a convite do SIVAM, realizada a bordo de um Bandeirante da FAB que percorreu quase 4 mil quilômetros durante 8 dias pela fronteira amazônica, encontrei no meio da pilha de jornais que aguardavam leitura a notícia do menino de 9 anos, residente em Santa Maria, cidade-satélite de Brasília, que esfaqueou a amiga inspirado no filme Brinquedo Assassino II. Na edição do dia seguinte, a explicação do SBT: o filme foi exibido dentro das condições impostas pelo Ministério da Justiça – depois das 22 horas e antecedido do aviso de que é impróprio para menores de 14 anos. O noticiário veio acompanhado dos editoriais sempre oportunos, mas impotentes para impor mudanças na legislação e definir limites rígidos à banalização da violência na tevê.
O problema exibe várias faces, cada qual merecendo abordagem específica e tratamento próprio. Na viagem pela Amazônia, nossa equipe pôde verificar de perto os efeitos devastadores de um outro problema para o qual as autoridades das áreas de justiça e comunicação até hoje não ofereceram qualquer tipo de resposta: a influência dos três fusos horários brasileiros na exibição da programação das redes de tevê por meio de satélites. Só para recordar o que se aprendia nas aulas de geografia: a parte oeste do Pará, de Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul e os estados de Roraima, Rondônia e quase todo o Amazonas, estão atrasados 1 hora em relação ao horário de Brasília. Uma pequena parte do Amazonas e todo o Acre estão 2 horas atrasados. Acrescente-se 1 hora a mais de atraso provocado pelo horário brasileiro de verão.
Temos, então, a curiosa situação vivida, por exemplo, pelos habitantes da cidade amazonense de Tabatinga, que fica na fronteira seca do Brasil com a cidade de Letícia, na Colômbia, separadas apenas por uma rua. Tabatinga acorda e vai dormir 3 horas antes do resto do Brasil regido pelo horário de Brasília. 9 horas da noite em Tabatinga correspondem a meia-noite em Brasília. Ou seja, quando as crianças do Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-oeste já estão dormindo, as crianças de Tabatinga estão na frente da televisão, assistindo aos filmes mais violentos ou a programas adultos com cenas de sexo explícito como os exibidos pela Rede Bandeirantes, nas noites de sexta-feira.
O filme Brinquedo Assassino II, por exemplo, exibido pelo SBT às 22h16 de sexta-feira e com a recomendação de que é impróprio para menores de 14 anos, foi visto em Tabatinga no comecinho da noite, às 19h16. É bom lembrar que tudo isso é feito dentro da lei que fixa os horários de exibição. A legislação incide apenas sobre o horário da cabeça de rede – ou seja, a Globo-Rio, o SBT-São Paulo etc. Não se considera a questão das localidades regidas por outros fusos horários.
Pais, mães, professores, autoridades e crianças de Tabatinga, entrevistadas por mim para o programa de rádio Escola Brasil, da Rádio Nacional, do qual sou editor, queixaram-se dos resultados dessa curiosa, esdrúxula e perigosa situação. A primeira queixa nem tem a ver com o fuso horário, mas à condição em que se encontram culturalmente isolados mais de 45 por cento do território brasileiro da região Norte. Essas populações raramente “se vêem” na televisão e são obrigadas a substituir sua cultura pela cultura de Ipanema e da Avenida Paulista. Olham, sem entender direito, algumas pessoas louras rebolando em frente à câmera e falando uma língua que lembra muito o português. Terminam imitando o que vêem e sendo vítimas de uma deformação chamada subserviência cultural. A outra queixa é diretamente relacionada ao fuso horário.
As crianças de Tabatinga há vários anos têm sido induzidas à sexualização precoce e os pais e professores pouco ou nada podem fazer para evitar. É enorme o número de mães com 12 anos de idade. Em compensação, as crianças de toda aquela imensa região não conseguem assistir ao programa da Xuxa porque ainda estão dormindo quando a Rainha dos Baixinhos está no ar. Vários pais se queixaram de não saber como responder às perguntas feitas pelos filhos, principalmente em relação ao sexo. Além disso, temem pelos efeitos devastadores que a programação com cenas violentas vem causando nas personalidades em formação.
Outra queixa, esta dos adultos, tem a ver com os telejornais. Só para exemplificar, o Jornal Nacional, da Rede Globo, passa em Tabatinga às 5 da tarde, quando a maioria da população que participa da formação da renda familiar está no trabalho. O Jornal Hoje enfrenta a mesma situação. A audiência feminina, para o qual se dirige, está cuidando de outros afazeres ás 10h da manhã, quando ele entra no ar.
Em síntese: nem as crianças assistem ao que é produzido para elas pelas grandes redes nem os adultos acompanham o noticiário que, bem ou mal, acrescenta dados para a formação de sua cidadania. Em Tabatinga, na fronteira com a Colômbia, como nos demais 3 milhões 870 mil quilômetros quadrados da região amazônica, existe um grande, um imenso Brasil à margem da legislação reguladora dos horários para exibição da programação de tevê.
Só por curiosidade: alguém aí tem uma estatística sobre o número de meninos, moradores daqueles ermos, que engravidam irmãs e esfaqueiam os amiguinhos depois de assistir diariamente a filmes impróprios para menores, que passam na tevê enquanto jantam peixe com farinha? Só para completar: alguém, em Brasília - no Congresso, na Esplanada, no Palácio do Planalto, no Supremo - já ouviu falar de um troço que está previsto na Constituição e que é obrigatório, chamado regionalização da programação do rádio e da televisão?


Capítulo V
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS

Mudar o fuso horário do Acre significa resolver problemas de meio século. Problemas que surgiram com o advento da televisão, dos bancos e da aviação civil. Não nos deteremos nas complicações relacionadas aos horários de vôos e expedientes bancários. Queremos nos despedir com a opinião de alguns especialistas sobre os impactos da programação de TV na formação de nossas crianças e de nossos adolescentes.

Despertador de dinossauros

Iza Calbo

Pode parecer estranho, mas não se engane: dentro do seu cérebro há um ou mais dinossauros prestes a atacar. Uma espécie de Jurassic Park, capaz de ser despertado, seja por um olhar a mais, lançado por outra pessoa para o seu par ou por cenas grosseiras de sexualidade, violência e afins. A televisão, no ímpeto de ganhar audiência, funciona como um despertador do dinossauro que, pelo bom senso, não deve ser alimentado.
A explicação metafórica do médico psiquiatra Ricardo Chequer Chemas vale para a programação televisiva como um todo. Aqui, no entanto, teve como "gancho" a última cena do folhetim global Porto dos Milagres, misto de banho de sangue, triunfo do bem contra o mal e um pouquinho do bíblico "olho por olho, dente por dente", quando Rosa Palmeirão (Luiza Thomé) esfaqueia Félix Guerreiro (Antônio Fagundes), num ato de vingança.
A cena é a ponta de um iceberg. O ibope, de acordo com Chemas, só alcança os pontos desejados pelas emissoras, de canais abertos ou fechados, "quando satisfaz o apetite rude da massa". Não entenda-se, aqui, a massa como o público de classe D ou C. "Não existe uma correlação linear entre as classes sociais e a violência. Crimes hediondos são cometidos por pessoas da classe alta. A violência tem raízes muito mais profundas", comenta.
A TV, como meio de massa importante - em especial, as emissoras de canais abertos -, é, no parecer do psiquiatra, uma arma psicológica potente e, cada vez mais, veicula sentimentos negativos. "Os seriados estão violentíssimos, a sexualidade, grosseira; adultérios, por exemplo, são explorados em todos os programas. Ora, estas coisas têm um papel. Os indivíduos acreditam naquilo que vêem", alerta o especialista.
Quando estas mensagens negativas são levadas até as pessoas por um objeto pretensamente de arte - livros, novelas etc. -, é preciso, na opinião de Chemas, pensar nos possíveis sentimentos a serem despertados. "A emoção de ver uma novela é diferente da de ler um rol de roupas", exemplifica.
Determinados sentimentos despertados por um veículo de massa como a TV podem, ainda segundo Chemas, ativar a adrenalina, hormônio produzido em situações de medo e luta. E, aí, vem o pior: a adrenalina funciona, também, e de maneira eficaz, como um fixador da memória. "É ela que vai pintar o evento de uma memória curta - a ligada à natureza elétrica - com as cores de uma memória de longa duração. Ou seja, a memória de natureza química", alerta.
O perigo de cenas como a veiculada no último capítulo de Porto de Milagres reside justamente aí. Nesta possibilidade de gravar uma emoção por mais tempo que o necessário. "Entra lixo, sai lixo", ressalta o médico, remetendo a uma máxima da computação, na qual o responsável pelos programas de uma máquina é quem a programou. E, neste ponto, os programadores da TV estão apostando em pacotes de relações humanas neuróticas, suficientes para despertar não apenas um, mas vários dinossauros.
E não vale minimizar efeitos ou achar que certos programas são assimilados de maneira diferente, a depender da cultura de cada povo. "Numa briga de casal, em qualquer parte do planeta, o conteúdo é idêntico. São acusações mútuas, queixas de egoísmo, luta pela posse. Existe, qualquer que seja o lugar do mundo, uma parte do cérebro humano prestes a pular e atacar", observa Chemas, frisando a necessidade de parar de alimentar estes animais que, quando saltam, encontram as jaulas - muitas vezes ineficazes - das chamadas sanções sociais. "As pessoas têm um apetite instintivo para a carniça", lamenta.

Efeito dominó

Pode uma cena ou notícia desencadear atos violentos, desprendendo ódios velados do substrato social?

Ceci Alves

O efeito dominó passou a fazer parte do vocabulário dos meios de comunicação de massa. E o inocente jogo, em que a queda de uma pedra derruba toda a seqüência, adquire a conotação de onda de violência, que pode contaminar o telespectador menos avisado.
Diz-se do efeito dominó aplicado à comunicação quando um programa, notícia ou mesmo uma cena controversa, largamente divulgada e/ou repisada, termina desencadeando um processo de identificação coletiva, consciente ou não, que provoca fatos de comoção social semelhantes ou similares àquilo que se viu, com o qual o espectador identificou- se.
E a identificação é a chave psicanalítica para que um evento difundido pelos mass media tome corpo social e vire outros fatos. A diretora do Instituto de Psicanálise da Bahia, Maria Luíza Rangel de Moura, explica o efeito dominó como uma releitura que o indivíduo faz de si e de seu cotidiano a partir de uma cena/notícia com a qual se identifique.
"A psicanálise costuma situar a agressividade no imaginário. Em Psicologia das Massas, Freud demonstra três tipos de identificação, entre elas, esta, em que um toma uma atitude que, em seguida, todos tomam", pontua. Maria Luíza chama a atenção de que, mesmo na identificação, a imagem só não é suficiente, "é preciso uma anterioridade de linguagem no domínio do homem. O sujeito não se identifica com o total, mas só com um traço específico do que vê. Só isto tem efeito no imaginário social".

Rede de Intrigas

Na década de 70, filme Rede de Intrigas: o personagem de Howard Beal (Peter Finch) enlouquece na frente das câmeras, pede para todos os espectadores abrirem suas janelas e dizerem a plenos pulmões que "estão de saco cheio e que não vão mais agüentar tanta pressão". Todos obedecem, como pedras de dominó derrubadas por apenas uma única peça.
Setembro de 2001, a personagem da novela Porto dos Milagres, Rosa Palmeirão, esfaqueia o seu opressor, Féliz Guerreiro, no último capítulo, dizendo a todos que "livrou a sociedade de mais um verme" - numa época em que os vermes estão sendo cada vez menos tolerados. Será que, mais uma vez, uma pedra do dominó vai desencadear um processo que, infelizmente, beira o real?
Pesquisas norte-americanas destacam duas teorias para o entendimento do efeito dominó em relação à mídia. A primeira, aponta a violência apresentada nos meios de comunicação de massa como uma forma de catarse coletiva da violência social, difusa dentro do ser ou explícita nas ruas. Assistir a ela purga o espectador, servindo como uma válvula de escape social.
A segunda, e mais grave, revela a espetacularização da violência como um mau exemplo, confirmando o aspecto negativo que uma ação agressiva possa registrar nas mentes da audiência, concebendo um modelo violento e aumentando a incidência dessas ações - não em termos quantitativos, mas qualitativos, traçando uma "nova estilística" da violência.
Esta hipótese explicaria o aumento da curva de violência em determinadas situações, como no surgimento de serial killers depois da difusão de crimes dessa ordem, crimes em séries que ocorrem em escolas.

"Justiçamento"

Aplicando ao estudo de caso do último capítulo de Porto dos Milagres, o assassínio de Félix Guerreiro pode ter as duas conotações: tanto de válvula de escape para o sentimento de impunidade brasileiro, como pode servir de incentivo e justificativa para o "justiçamento". Tudo irá depender do substrato social e da predisposição do imaginário coletivo, como explana Maria Luíza.
"O imaginário tem uma relação de reciprocidade. Assim, uma coisa é eu me identificar com o que vejo, outra seria a minha reação quanto àquilo. A reação em cadeia pode existir, mas não é suficiente. Tem de existir uma receptividade, e as TVs têm de ser mais cuidadosas por isso".
De acordo com a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia, Moema Gramacho, dados pesquisados tecendo relações entre a mídia e a violência revelam que, apesar de não haver ligação direta de casos de violência reincidente com a divulgação da mídia de casos, existe uma correlação, ainda empírica, mas real.
"Não está quantificado, mas existe relação, sim. Os meios de comunicação têm contribuído com o aumento da prática da violência, quando os programas não são acompanhados de campanhas educacionais paralelas", disse.
Moema cita, como exemplo clássico, casos de violência divulgados envolvendo escolas, que sempre criam um efeito de série. "A violência envolvendo mulheres também faz parte desse quadro e o caso do índio Galdino, que, como pudemos observar, fez crescer, logo em seguida, o número de mendigos e pessoas aparecendo queimadas, graças à repercussão da mídia", afirmou.
Analisando a cena do assassinato da personagem Félix Guerreiro no último capítulo da novela Porto dos Milagres, Gramacho aponta a vontade do autor em produzir uma catarse, apesar dos frutos a serem colhidos por esta atitude não serem dos melhores.
"É uma coisa muito ruim que a sociedade fique satisfeita e ache bom a facada que Rosa Palmeirão desferiu contra o Félix, em nome de um sentimento de impunidade política que nos assola. Este foi um exemplo negativo em todos os aspectos. A mídia pode até reproduzir os anseios catárticos da população; mas, a partir da repercussão, ela cria a reincidência, incentivando a quem não tem educação a fazer o mesmo".

Exemplo

1) Desde agosto deste ano, a incidência de casos de envenenamentos pelo veneno de rato chamado chumbinho intensificou-se na Bahia, ao mesmo tempo em que a escalada criminosa da personagem Adma da novela Porto dos Milagres - uma espécie de psicopata, que matava friamente suas vítimas com porções de veneno de rato no chá - atingia seus picos de audiência. A polícia acha precipitado correlacionar os casos à novela, mas a similaridade é mais do que evidente. Existem casos em que as vítimas também são mortas por vingança de família, como na novela.
2) Quem não se lembra do efeito dominó que os jovens franco-atiradores provocavam em escolas norte-americanas, façam uma retrospectiva, com a ajuda das agências Reuters, Associated Press e Ansa.
3) Várias escolas da periferia de Salvador tiveram casos de violência após serem divulgados esses fatos violentos nas escolas dos EUA. E, como moscas, a cada divulgação de um fato violento ocorrido nessas escolas, outros apareciam. Esses acontecimentos perduraram por mais de três anos.

Campanha atualiza ranking da baixaria

Letícia Nunes

A sexta atualização do ranking da baixaria na televisão foi divulgada na quarta-feira, 12/5, pela coordenação da campanha "Quem financia a baixaria é contra a cidadania", da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. O ranking traz os dez programas da televisão brasileira que mais desrespeitam os direitos dos cidadãos, de acordo com denúncias feitas à campanha pelos próprios telespectadores.
As críticas ou elogios aos programas de TV podem ser feitos por qualquer cidadão por meio de um número de telefone gratuito (0800-619619) ou pelo site da campanha, em www.eticanatv.org.br.
O ranking é montado com base na manifestação popular. A partir dele, um conselho elabora pareceres que serão entregues às emissoras de TV. Constituem este sexto ranking as denúncias feitas do dia 13 de janeiro a 7 de maio de 2004. Foram 1.612 reclamações no total.
Lançada em novembro de 2002, a campanha "Quem financia a baixaria é contra a cidadania", coordenada pelo deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), luta por uma programação televisiva de qualidade. Desde então, já recebeu mais de 15 mil manifestações. Junto com a sexta versão do ranking foi também divulgado um documento público, assinado pelas entidades parceiras da campanha, de repúdio à carta enviada pelo Grupo Bandeirantes de Comunicação ao presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

Apelo aos anunciantes

Em janeiro deste ano, uma decisão inédita do Ministério da Justiça reclassificou cinco telejornais policialescos como inadequados para exibição antes das 21 horas, por causa de seu excessivo apelo à violência. O ministério, no entando, voltou atrás na decisão.
Mesmo com o recuo do governo, a coordenação da campanha considera que os tais programas - entre eles o Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes - são inadequados ao horário de exibição. Por isso, enviou ofícios aos anunciantes desses telejornais recomendando que deixassem de associar seus produtos a programas que desrespeitam os direitos dos cidadãos.

Repúdio às acusações

Por causa dessa medida, a Rede Bandeirantes acusou o deputado Orlando Fantazzini de extrapolar sua função parlamentar, ferir o Código de Ética e Decoro Parlamentar e cercear o livre exercício das atividades das empresas anunciantes.
O documento de repúdio à carta da Rede Bandeirantes afirma que não houve qualquer tipo de intimidação às empresas anunciantes por parte do coordenador da campanha. "Ao que nos consta, o deputado não ameaçou prender ou processar ninguém. (...) Para o fiel cumprimento do direito de liberdade de expressão, qualquer cidadão tem direito de recomendar ações a outros cidadãos, ações essas que não são criminosas, mas baseadas em princípios éticos e legais", diz um trecho do documento.
O contato da campanha com os anunciantes foi feito por meio de um ofício que solicitava que a empresa deixasse de anunciar no programa, e apresentava as justificativas para o pedido. Foram contatadas 14 empresas anunciantes dos programas policialescos exibidos no período da tarde. Destas, apenas seis responderam à solicitação feita pela campanha, e cinco prometeram que irão rever suas estratégias de publicidade.

Os dez mais no ranking da baixaria

1. Celebridade (Rede Globo) - apelo sexual, incitação à violência e horário impróprio.
2. Kubanacan (Rede Globo) - apelo sexual, incitação à violência e horário impróprio.
3. Programa do Ratinho (SBT) - apelo sexual, ridicularização da pessoa humana e horário impróprio.
4. Pânico na TV (Rede TV!) - incitação à violência, ridicularização da pessoa humana e horário impróprio.
5. Big Brother Brasil (Rede Globo) - apelo sexual.
6. Eu vi na TV (Rede TV!) - apelo sexual.
7. Superpop (Rede TV!) - apelo sexual e exploração do ser humano.
8. Malhação (Rede Globo) - horário impróprio.
9. Sabadaço e Boa Noite Brasil (do apresentador Gilberto Barros - Band) - apelo sexual e horário impróprio.
10. Cidade Alerta (Rede Record) - horário impróprio.

O crime não compensa

Jorge Werthein

Esta máxima vem sendo negada diariamente no mundo do show business, onde matar e morrer, das formas mais exóticas, parece render bilhões de dólares em todo o planeta. Na ficção do cinema, da TV, do videogame e das imagens da Internet, a violência explícita e gratuita é uma das mais lucrativas formas de entretenimento. Brinca-se de matar. Brinca-se de morrer. Enquanto isso, no mundo real, crianças e jovens habituam-se a essa banalização da violência e, em casos extremos, imitam a ficção.
Foi assim, há poucos dias, com o menino de 9 anos, morador de um bairro periférico do Distrito Federal, que esfaqueou a vizinha dois anos mais nova, três dias depois de assistir, impressionado, ao filme "Brinquedo Assassino 2". O ato praticado pelo garoto de Brasília deixou perplexos os que o conheciam e não esperavam dele tal atitude. Como de praxe, culpou-se a mídia. Mas seria ela a única responsável pelo que aconteceu?
Reações emocionadas à parte, sobre esse fato, e outros semelhantes, há vários aspectos a considerar-se: o papel da escola, da família, da mídia (incluindo a imprensa e os produtores - autores de filmes, séries, programas etc.), do governo e da sociedade. Todos somos igualmente responsáveis e vítimas do excesso de violência na realidade e na ficção.
Tome-se a responsabilidade da escola. Não existe atualmente uma "educação para a mídia" - ou seja, os professores, em geral, não orientam adequadamente os alunos para um melhor aproveitamento dos recursos educativos da TV, do cinema, do vídeo, da internet etc. Nem sempre educam os estudantes do ponto de vista da "estética" e do conteúdo da programação oferecida pelos mass media. Isso ajudaria, de alguma forma, a formar um público infanto-juvenil mais crítico e menos suscetível à influência, às vezes negativa, dos meios de comunicação de massa.
Os pais, da mesma forma, confiam demasiadamente na "babá eletrônica" e deixam os filhos ver na TV tudo o que querem. Tampouco fazem em casa o papel de educadores. É preciso respeitar as recomendações do próprio Ministério da Justiça com relação à classificação dos filmes. Postura semelhante deveria ser adotada em relação ao cinema, aos videogames e ao uso da internet. As crianças não podem escolher tudo o que desejam ver e fazer. Necessitam de orientação mais adequada. Os pais não podem furtar-se desse papel.
A mídia eletrônica (incluídos provedores, sites, fabricantes de videogame etc.), por sua vez, não é "vilã" sozinha, embora tenha grande responsabilidade. Deveria ser mais criteriosa. Nesse sentido, a auto-regulação proposta pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos merece ser levada em consideração. Evidentemente, precisa-se considerar também as limitações comerciais das empresas (limitações legítimas e compreensíveis). Mas a falta de critério não pode ser uma regra. Há enlatados que jamais deveriam deixar as "prateleiras". São de qualidade sofrível. Por outro lado, há produções comerciais de excelente nível e detentoras de boas audiências. Mesmo os enlatados podem ser selecionados de forma que a violência não seja a única protagonista do horário nobre. Há filmes românticos e de aventura, que não chegam a ser apelativos.
É preciso levar em conta igualmente que o Brasil adquire grande parte da produção atualmente exibida na mídia. Portanto, não é uma característica tipicamente brasileira consumir programas de baixa qualidade. Esses programas, muitas vezes, vêm do estrangeiro, onde são produzidos. Seria necessário que em seus países de origem houvesse uma conscientização no sentido de se reduzir a produção em massa desses produtos de má qualidade. O argumento de que eles dêem lucro deveria ter menos peso diante de comédias românticas ou superproduções (como Titanic ou A Lista de Schindler, por exemplo) igualmente comerciais, mas que não exploram violência gratuita, tampouco sexo explícito, e cujas bilheterias foram recordes.
O papel do Ministério da Justiça é fundamental neste momento. Sem defender qualquer tipo de censura, a qual é inaceitável, o governo pode ser o estimulador e o mediador de uma espécie de pacto entre as empresas de comunicação para que todas disputem fatias de mercado sem apelar para o excesso de violência. Se todas cumprirem o pacto, só terão a ganhar.
A Unesco tradicionalmente defende a liberdade de expressão e é contra qualquer forma de censura ou de moralismo. Sabe, no entanto, por meio de diversas pesquisas, no Brasil e em outros países, que o excesso de violência gratuita nos meios de comunicação contribui para o embrutecimento moral e intelectual de crianças e jovens, sobretudo aqueles que vivam em ambiente mais propício ao desenvolvimento de uma personalidade agressiva.
Por outro lado, se o produto ruim persiste, é porque existe consumidor para ele. Esse consumidor precisa conscientizar-se de que está diante de um produto de segunda categoria, estética e eticamente. A indiferença da sociedade diante de produtos de má qualidade é preocupante. Se um consumidor vai ao supermercado e leva produto estragado para casa, ele tem o direito de reclamar, e normalmente reclama - ou na própria loja ou no Procom. Mas, se recebe um produto de segunda linha via TV ou via Internet, por exemplo, aceita-o passivamente.
Nesse sentido, a própria imprensa é responsável pela perpetuação desse comportamento, ao dar destaque a pseudo-heróis, que empregam a truculência para vencer o adversário; ao dar espaço para a futilidade excessiva; ao explorar escândalos pessoais sem maior importância para a vida social e política de um país etc. Converte a notícia em mais um espaço do showbizz.
Portanto, se cada ator social assumir sua parcela de responsabilidade sobre o que se veicula nos meios de comunicação, será mais fácil torná-los aliados da educação para a arte, a cultura, a ciência, o meio ambiente, os direitos humanos e, por consegüinte, a paz.

Os efeitos da violência na TV

Estudo americano diz que assistir a programas violentos na infância gera adultos agressivos.

YANNIK D’ELBOUX

A polêmica é antiga. Que influência exercem mocinhos e bandidos da TV no comportamento infantil? Assistir a programas violentos desencadeia a agressividade? Quem não se lembra do episódio ocorrido há três anos envolvendo o filme Brinquedo assassino 2, em que uma criança de 9 anos, do Distrito Federal, esfaqueou sua vizinha de 7 e disse à polícia que imitou o personagem do filme? Como crescerão as crianças bombardeadas por cenas de violência em meio a essa sociedade em que a babá eletrônica é, às vezes, até mais presente do que os pais? Os americanos acreditam ter encontrado uma resposta.
Uma pesquisa da Associação Americana de Psicologia, divulgada em março no jornal Developmental Psychology, conclui que a exposição em excesso a conteúdo violento influencia a infância, a adolescência e tem conseqüências inclusive na fase adulta. O estudo cruzou os dados de crianças, entre 6 e 10 anos, entrevistadas de 1977 a 1979 e 15 anos depois. A segunda etapa abrangeu 329 dos 557 participantes da primeira fase, além de entrevistas com amigos e familiares.
Os resultados apontam que crianças que assistiam a cenas de violência na TV com mais freqüência tinham mais relatos de agressividade na fase adulta. Os principais programas considerados no estudo foram “Cyborg – O homem de seis milhões de dólares”, “Justiça em dobro”, “Dirty Harry”, “Mulher Biônica” e o desenho animado “Papa-Léguas”.
As conclusões do estudo são bastante matemáticas, apesar do caráter subjetivo do tema. Os pesquisadores afirmam que os homens mais expostos à violência televisiva cometeram até três vezes mais crimes ou atos de agressividade na fase adulta. E as mulheres registraram até quatro vezes mais episódios de brigas e agressões do que aquelas que não se identificavam com os programas mais violentos. Além dos relatos, o estudo utilizou como referência registros de crimes e violência no trânsito.



Epílogo
UM CHARME QUE MATA


ACRE: [adj] De sabor picante ou azedo, forte, vivo. [sm] Medida agrária equivalente a 4.047 m². Estado amazônico com percentual de 5.7% de área desmatada. Detentor de pujante biodiversidade, em especial na região do Vale do Juruá, considerada uma das mais bioricas do planeta.
O Acre não teve um parto normal. De maneira cesariana, o Acre nasceu sob a tempestade da pólvora, do sangue derramado, das armas em punho e dos gritos de guerra. Plácido de Castro, um militar gaúcho que se apaixonou pelo Acre, comandou uma revolução vitoriosa, a Revolução Acreana. Processou-se no Acre uma das primeiras experiências de combate ao colonialismo que, no início do século vinte, já se chamava imperialismo. O Bolivian Sindicate era, na verdade, um sindicato do crime, associação de capitalistas norte-americanos e ingleses que, utilizando o entreguista governo boliviano, pretendia alugar o território do Acre para explorar a hevea brasiliensis, o nosso ouro elástico.
Antes da conflagração, um fato fez do Acre uma terra ímpar. A poesia abriu o caminho da pólvora! Uma delegação de poetas, comandada por Galvez, declarou o Acre independente. A dissolução do gabinete de Galvez, sob os auspícios do fraco governo brasileiro, fez aumentar a insatisfação de seringalistas e seringueiros, apressando o confronto armado. A Revolução Acreana, além de tornar o Acre um rico e audaz pedaço do Brasil, foi palco de uma tática de luta que merece ser estudada. A Revolução Acreana soube combinar os interesses de duas ‘classes’ antagônicas [seringalistas e seringueiros] na direção do mesmo objetivo: expulsar os bolivianos, que haviam se tornado os testas-de-ferro do colonialismo norte-americano e inglês.
O Acre é impar do parto à vida adulta! Foi no Acre que nasceu o movimento dos hansenianos, comandado pelo lendário Bacurau, tornando-se um movimento nacional, o Morhan. A discriminação à hanseníase já recebera condenação há dois mil anos, quando Jesus curou um leproso, tocando-o [Mt.8,1-4], realizando um ato proibido para a moral religiosa e social da época. Do Acre saiu a primeira Senadora seringueira do país, que se tornou uma referência nacional na luta pela preservação de nossa biota. O Acre é pioneiro na luta pela ocupação de terras improdutivas, bem antes do surgimento oficial do MST, tendo em Wilson Pinheiro, assassinado pelo latifúndio, um dos mártires da luta pela terra na Amazônia, junto com Paulo Fonteles, João Canuto.
Marca indelével da história do Acre, a saga de Chico Mendes. Líder seringueiro de Xapuri, criou uma forma de luta inédita: o empate. Fazendo confundir ataque com contra-ofensiva, sua tática ganhou aliados, garantindo substancial apoio logístico à sua guerra no meio da floresta assombrosa. Era como se Chico Mendes, ao juntar dezenas de pessoas em frente a um trator e às motosserras, transformasse os atores do empate em árvores, pássaros, raízes, animais, riachos e plantas. Levantavam-se em seu lugar! As mulheres eram a castanheira, a envireira, os cipoais. Os anciãos eram os pássaros, os insetos, as larvas, os animais. Os homens, a sapucaia, a sumaúma, o tucum. As crianças eram os riachos, os lagos, as gotas teimosas do orvalho, o ciclo da chuva. O empate de Chico Mendes é um emblema tático para se estudar na Amazônia!
O Acre é ainda uma grande aldeia, onde vivem e resistem os povos indígenas, anciãos, guerreiros pintados de jenipapo, donzelas índias, pajés e curumins. Dezenas de línguas, com variadas unidades genéticas, fazem do Acre uma federação de povos, a dançar sob a luz da lua crescente, a magia da caiçuma e o tambor da pele de leopardo. Kaxinawás [o pássaro que canta o alvorecer] e Yawanawás [queixada, o rebanho inseparável], junto com Ashaninkas, Kulinas de Igarapé do Anjo, Poyanawas, dentre outros, são povos indígenas que amarram o Acre na utopia de uma vida sem amos, onde o pão e a alegria são produzidos sob o suor coletivo e compartilhados.

Menos o quarto fuso

Fiz questão de lembrar do charme que é o Acre e suas diferenças. Uma pequenina porção de terras, na Amazônia, que se fez ímpar com as suas raízes indígenas e nordestinas. Um estado que se fez Brasil de armas em punho. E, mesmo naquela situação revolucionária, não faltou a poesia.
Mas, o que poderia ser a marca da diferença, o fuso de cinco horas, nos tornando únicos no Brasil, produz anomalias e constrangimentos. O quarto fuso não é charme. É instrumento de discriminação e barreira à integração. E, quando vai para o terreno pantanoso da sexualidade, através da programação imprópria da televisão, é um charme que mata...

[Os pais e as mães de nossas crianças pobres, indefesas, agradecerão a todos aqueles que lutarem para proteger o seu desenvolvimento espiritual]

sábado, 1 de setembro de 2007

Governo Binho respeita povos indígenas








Governo do Acre tem relação de respeito e de
apoio aos povos indígenas, diz líder do governo

O deputado Moisés Diniz (PCdoB), líder do governo na Assembléia Legislativa, afirmou ontem que os povos indígenas do Acre sempre foram respeitados, acolhidos e receberam apoio dos governadores da Frente Popular.

“Antes de a Frente Popular assumir o governo em 1999, as lideranças indígenas não sabiam o que era serem recebidas pelo governador do estado. A partir de Jorge Viana, a relação do governo com lideranças indígenas tornou-se uma constante”, afirma Diniz.

O deputado lembra ainda que foi a Frente Popular que criou a secretaria indígena. Já no governo Binho Marques foi criada a assessoria especial indígena, como forma de dar transversalidade às necessidades indígenas, garantindo que todas as secretarias tenham uma área de atenção aos povos indígenas.

“Não é bom esquecer a luta de parlamentares como Edvaldo Magalhães e Perpétua Almeida, do PCdoB, que criaram, respectivamente, o capítulo indígena na constituição do estado e a subcomissão dos povos indígenas no congresso nacional”, lembra Diniz.

O parlamentar lembrou ainda a luta incessante do senador Tião Viana que, junto com deputados federais, tem garantido recursos para saneamento básico nas aldeias.

“O nosso governo, desde 1999, vem construindo, nas aldeias indígenas, dezenas de belas escolas, espaços culturais e espirituais, poços artesianos e banheiros e realizando cursos de formação. Hoje, dezenas de professores indígenas estão fazendo faculdade”, afirmou.

O deputado lembrou que os governadores e senadores do PT e os deputados do PCdoB foram os únicos políticos a visitar as aldeias indígenas por várias vezes. Disse que Jorge Viana foi o governador do Brasil que mais se aproximou dos povos indígenas, tanto fisicamente, indo às aldeias, como financeiramente, colocando dinheiro nas próprias comunidades indígenas.

“Agora mesmo, eu e o senador Tião Viana estivemos na aldeia Nova Esperança, dos yawanawas e, semana que vem, eu vou estar na aldeia Morada Nova, dos shanenawas”, argumentou.

O parlamentar lembrou que o governo Binho Marques, apesar de estar apenas começando, já realizou um encontro com lideranças indígenas e está preparando um programa consistente de fortalecimento das comunidades indígenas.

“Foi no nosso governo que a terra indígena dos yawanawas sofreu revisão e dobrou de tamanho. Essas lideranças sabem que nos governos passados, de outros partidos, isso era impossível. Eles nem reconheciam que havia índios no Acre”, afirmou Diniz.